Estudo revela que o medicamento pode ser eficaz no tratamento de dores orofaciais, oferecendo uma nova opção para pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais
Dores orofaciais, que causam desconforto na boca, mandíbula, face e pescoço, são comuns e podem ter várias causas, como cáries e problemas nas articulações da mandíbula. Com isso, é fundamental a realização de pesquisas que visam lidar com esse problema presente em parte da população.
Em busca de alternativas para tratar esses casos, especialmente os crônicos e de difícil controle, pesquisadores do Núcleo de Biologia Experimental (Nubex) da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, realizaram pesquisa inovadora sobre o uso da nifedipina — medicamento amplamente conhecido por tratar hipertensão — como opção para aliviar essas dores.
A pesquisa, conduzida por Adriana Rolim, Sacha Audrey, Antônio Eufrásio Vieira, Andressa Barros, Francisco Ernani e Marina de Barros, foi intitulada “Efeito Antinociceptivo Orofacial da Nifedipina em Roedores é Mediado pelos Processos TRPM3, TRPA1 e NMDA“. O estudo analisou a ação do medicamento em modelos animais, buscando comprovar sua eficácia no alívio da dor em casos de difícil tratamento.
Essas dores, muitas vezes difíceis de tratar, podem impactar a qualidade de vida dos pacientes, causando não apenas desconforto físico, mas também complicações emocionais e sociais, o que despertou na equipe a motivação para analisar o medicamento como provável solução para o problema abordado.
“Vimos uma oportunidade de testar a nifedipina como uma opção para tratar a dor orofacial, especialmente em pacientes que não respondem bem aos tratamentos tradicionais. Nossa motivação também foi aumentar as opções de medicamentos para essas condições, buscando melhorar a qualidade de vida desses pacientes. Com esse estudo, esperamos contribuir para novas possibilidades de tratamento da dor orofacial – Adriana Rolim, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas (PPGCM) e pesquisadora do Nubex
Métodos utilizados
O estudo foi realizado com ratos e camundongos, utilizando diferentes modelos de dor aguda e crônica para testar a eficácia da nifedipina. As dores foram induzidas nos animais por meio de substâncias como formalina, ácido e capsaicina, que causam estímulos dolorosos, além de simulações de dor crônica neuropática, induzidas através do corte do nervo infraorbital (IONX), responsável por transmitir sensações da face ao cérebro. Esse corte simula lesões nervosas, comuns em dores neuropáticas, que podem resultar em dor constante ou sensibilidade exagerada.
Os animais foram divididos em grupos, onde alguns receberam doses de nifedipina, enquanto outros receberam soluções de controle. Para entender o mecanismo de ação do medicamento, os cientistas também realizaram experimentos de “docking molecular”, uma técnica que simula interações da nifedipina com canais e receptores envolvidos na transmissão de sinais de dor, como TRPM3, TRPA1 e NMDA.
Segundo Adriana, o estudo destaca a importância de ampliar as opções terapêuticas para dores orofaciais, que muitas vezes apresentam resistência aos tratamentos convencionais. “Essa pesquisa é especialmente relevante para pacientes que não respondem adequadamente aos tratamentos convencionais ou que sofrem com efeitos colaterais dos medicamentos atuais. Além de oferecer alívio significativo da dor, a nifedipina pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes, permitindo que retomem suas atividades diárias e participem de forma mais plena na vida social e profissional”, afirma.
Canais TRPM3, TRPA1 e NMDA: Como eles funcionam?
Os canais TRPM3, TRPA1 e NMDA são essenciais na percepção e transmissão de sinais de dor no corpo. Eles funcionam como “portas” celulares, permitindo a passagem de sinais que avisam o cérebro sobre a presença de dor. A nifedipina, conforme mostrado nos experimentos, age bloqueando esses canais, o que reduz a intensidade dos sinais dolorosos que chegam ao cérebro.
Em modelos de dor crônica, como no caso da lesão do nervo infraorbital (IONX) — nervo responsável por transmitir sensações da face para o cérebro —, a nifedipina mostrou-se eficaz em reduzir a hipersensibilidade facial, que é uma reação exagerada à dor. A eficácia observada sugere que o medicamento pode oferecer uma nova abordagem para aliviar dores neuropáticas complexas, que frequentemente não respondem aos tratamentos tradicionais.
Resultados e perspectivas
Os experimentos de docking molecular são uma técnica computacional utilizada para simular como moléculas, por exemplo a nifedipina, interagem com determinadas proteínas ou receptores no corpo. No caso dessa pesquisa, os cientistas usaram essa ferramenta para prever como a nifedipina se “encaixa” em receptores específicos que estão envolvidos na percepção da dor, como os receptores NMDA e TRPM3.
Os resultados indicaram que a nifedipina tem uma forte afinidade com os receptores NMDA e TRPM3, ou seja, ela se liga bem a eles, bloqueando a passagem dos sinais de dor e, assim, exercendo efeito analgésico. Em contrapartida, a afinidade da nifedipina com o receptor TRPV1, que está relacionado à dor provocada pela capsaicina (a substância que causa o ardor da pimenta), foi mais fraca. Isso significa que o medicamento é menos eficaz em bloquear a dor associada a esse receptor, o que explica a menor eficácia no alívio desse tipo de dor.
De modo geral, os resultados indicam que a nifedipina pode ser uma opção eficaz no tratamento de diferentes tipos de dor orofacial, com exceção da dor induzida pela capsaicina.
A pesquisa conduzida pelo NUBEX representa avanço significativo no tratamento de dores orofaciais, especialmente para pacientes que enfrentam dificuldades com as terapias convencionais. O uso da nifedipina, conhecido até então como um medicamento para hipertensão, mostrou ser uma alternativa promissora para o tratamento de dores orofaciais crônicas e neuropáticas.
Para a pesquisadora Adriana Rolim, os achados representam um passo importante para o desenvolvimento de novos tratamentos no campo da dor crônica. “A longo prazo, o sucesso dessa descoberta pode abrir portas para mais pesquisas e novos desenvolvimentos em tratamentos de outras formas de dor crônica. Isso ampliaria ainda mais as opções disponíveis para pacientes ao redor do mundo”, conclui a profissional.
Publicação
Por conta da relevância do estudo para o tratamento de dores orofaciais e a contribuição significativa para o campo da ciência médica, o artigo foi publicado no periódico The FASEB Journal, um dos mais respeitados na área de biologia experimental.