Estudo destaca como essas tecnologias podem aumentar o engajamento e o risco de vício, resultando em problemas financeiros e de saúde mental
Pesquisadores da Universidade de Fortaleza, parte da Fundação Edson Queiroz, ligados ao Núcleo de Ciência de Dados e Inteligência Artificial (NCDIA), estão conduzindo estudo que investiga o aumento do vício em jogos de azar online, relacionado ao uso de inteligência artificial (IA). A pesquisa avalia que essas tecnologias podem estar aprimorando a experiência de jogo dos usuários e, como consequência, ampliando o vício e gerando impactos econômicos, como endividamento dos jogadores.
Esse contexto é tão relevante que, desde 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a reconhecer o vício em jogos como uma doença chamada Ludopatia, incluída na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11). No Brasil, os jogos de azar virtuais, que ainda não são regulamentados, movimentam cerca de 120 bilhões de reais, o que já levou ao endividamento de aproximadamente 50 milhões de brasileiros.
Por conta disso, a pesquisa intitulada “Intensificação do Vício – O Impacto da Inteligência Artificial em Cassinos Online e as Implicações para a Saúde Pública no Brasil”, liderada pelos professores Bruno Lessa e Jorge Luiz Bezerra, do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) e do Programa de Pós-Graduação em Informática Aplicada (PPGIA), busca identificar as ferramentas de IA que podem estar intensificando o envolvimento dos jogadores, aumentando o tempo de permanência nas plataformas de jogos de azar.
De acordo com Bruno Lessa, o objetivo é entender se essas plataformas virtuais estão utilizando IA para intensificar a experiência do usuário e, com isso, elevando as chances de desenvolver dependências e adicções.
“É possível que ferramentas de inteligência artificial estejam sendo usadas para reconhecer padrões de comportamento dos usuários, como horários e hábitos de jogo, e assim personalizar a experiência, intensificando o prazer nessas apostas e potencialmente promovendo o vício” – Bruno Lessa, docente de PPGA
IA e o possível uso de “dados viciados”
Um dos focos da pesquisa é verificar o uso de técnicas de inteligência artificial para ajustar os padrões de jogabilidade, favorecendo os cassinos. Segundo o professor Jorge Luiz, a IA pode estar sendo usada para manipular o padrão de aleatoriedade dos jogos em favor das plataformas de apostas.
“Pretendemos verificar se há algum agente externo, baseado em IA, capaz de produzir o efeito de engajamento dos usuários na plataforma e, consequentemente, gerar prejuízos graves a quem utiliza. Em um ambiente injusto, como um ‘dado viciado’, um agente externo pode ajustar o padrão de aleatoriedade de forma inteligente para maximizar os lucros da casa de apostas” – Jorge Luiz, docente do PPGIA
Ele acrescenta que, embora ainda não haja dados concretos que comprovem o uso de IA para esse fim, a pesquisa especula que, através de simulações, será possível analisar como essas ferramentas poderiam otimizar os lucros de forma injusta. “Especulamos que podemos avaliar o impacto, através de simulações, de possíveis agentes externos que criem o efeito de ‘dado viciado’ durante a utilização da plataforma”, completa.
Metodologia da pesquisa: simulações e análise de comportamento
A pesquisa adota uma abordagem inovadora na metodologia, que inclui a realização de simulações para verificar a reação das plataformas a diferentes tipos de usuários. A intenção é simular comportamentos de jogadores reais, gerando apostas em momentos variados, e verificar se há um agente externo que manipula a experiência do jogador.
“Simularemos o comportamento de robôs apostadores em diferentes momentos, de forma assíncrona, para observar como as plataformas reagem a esses perfis. Se identificarmos um agente externo, poderemos analisar quais características ele leva em consideração e, mais importante, se é possível mitigar o impacto dessas manipulações”, explica Jorge Luiz.
Além disso, a pesquisa também buscará identificar padrões no comportamento humano ao utilizar essas plataformas. Segundo os pesquisadores, é fundamental entender se certos perfis de jogadores são mais suscetíveis ao vício ou ao endividamento, o que ajudará a desenhar políticas públicas mais eficazes.
Principais preocupações de saúde pública
O aumento do vício em jogos de azar traz sérias implicações para a saúde pública. Entre as principais preocupações estão:
- Transtornos de jogo patológico: A maior acessibilidade dos cassinos online aumenta o risco de desenvolvimento de transtornos compulsivos de jogo, afetando a capacidade de gerenciar responsabilidades pessoais e sociais.
- Impactos na saúde mental: O vício em jogos está relacionado a condições como depressão, ansiedade e, em casos extremos, tendências suicidas, principalmente entre as populações mais vulneráveis.
- Problemas econômicos e endividamento: Comportamentos compulsivos frequentemente levam ao endividamento excessivo, comprometendo a estabilidade financeira de jogadores e suas famílias e sobrecarregando os sistemas de saúde pública.
IA e a personalização da experiência do usuário
Bruno aponta que por meio desses algoritmos baseados em volumes de dados, as plataformas de jogos de azar podem personalizar também as ofertas, criando uma experiência mais atraente e mais viciante para o jogador. A IA pode, por exemplo, sugerir jogos específicos nos momentos de maior atividade do usuário ou até enviar notificações personalizadas, incentivando novas apostas.
Além disso, ao ajustar as interações e recompensar o jogador de maneira estratégica, a tecnologia torna o jogo mais prazeroso, o que resulta em um ciclo de engajamento contínuo e, em muitos casos, mais difícil de interromper.
Com esse cenário, o estudo destaca o uso da IA, alertando que sua aplicação inadequada em cassinos online pode representar sérios riscos à saúde pública e à estabilidade financeira dos jogadores.